A tradição da mudança

Famílias empreendedoras remam contra estatísticas e reinventam suas empresas para permanecerem no mercado com resiliência

Por Gabriella Ramos

A história de empreendedorismo da Teceart Mineira começou muito antes de 1988, quando foi inaugurada a primeira unidade em Campinas. A fundadora Sônia Maria Stecca, natural de Minas Gerais, participou de feiras no Centro de Convivência por 15 anos, além de fazer vendas de porta em porta e ministrar aulas de tear.

Com o passar dos anos a empreendedora já contava com uma clientela fiel, o que motivou a abertura de uma loja em Barão Geraldo, na década de 80. Lá eram vendidos produtos a pronta-entrega trazidos de Minas Gerais, que consistiam principalmente em móveis e objetos de decoração.

Ao longo do caminho Sônia encontrou uma companheira e, hoje, sócia: sua filha, Mayara Stecca, que a acompanha nesse trabalho desde os 17 anos. Começou atuando no caixa e, com o passar do tempo, viu no negócio a sua vocação e se formou em Design de Interiores. Mãe e filha começaram a trabalhar juntas e fizeram a loja crescer e se modernizar.

“Eu não consigo me ver fazendo outra coisa”, conta Mayara. “Quando comecei, gostava de coisas mais modernas, mas não deixava de amar madeira. Foi então que começamos a pensar juntas, e eu trouxe a ideia de trabalharmos com outros materiais”. Alinhadas às novas tendências do mercado, as duas arriscaram e reinventaram a Teceart Mineira, sem abrir mão de suas raízes.

Mãe e filha gerenciam hoje duas unidades da loja, uma em Barão Geraldo – a pioneira, que este ano completa 30 anos de existência – e outra no Cambuí, bairro localizado no coração de Campinas. Para Mayara, é impossível pensar no futuro do negócio sem falar sobre o legado que carrega consigo. “Eu quero conseguir levar o que minha mãe construiu para um futuro cada vez melhor e que ela olhe com orgulho. Que eu consiga devolver tudo que me ensinou, porque devo tudo que sei a ela”.

Os ensinamentos da mãe e a parceria familiar foram essenciais para o sucesso da empresa. “Ver que está crescendo no lugar onde estão suas raízes é muito gratificante. Quando você trabalha em uma empresa familiar, você vê que o prazer e a satisfação do seu cliente às vezes são maiores que qualquer quantia em dinheiro ou qualquer lucro que você teve. Quando você coloca amor tanto na sua profissão quanto no seu dia-a-dia, as coisas ficam mais leves”.

O amor, uma constante em empreendimentos familiares, é o que os torna diferentes. “A empresa familiar pensa por geração. Com isso, trabalhamos na geração de valores que não são somente financeiros, mas sim a geração de valor humano, intelectual, social e financeiro”, defende Mary Nicoliello, psicóloga, sócia fundadora da Faamily Advisory e especialista em governança familiar, que atuou durante quase quatro anos como responsável pelo departamento de Governança e Estratégia para empresas de controle familiar da PwC.

“Existem conceitos comuns quando se fala em empresa familiar: o legado, os valores e o poder que uma família empresária tem quando ela adere aos valores dos fundadores”, diz Nicoliello. “Sempre tem uma magia da família, o que torna possível contribuirmos com ferramentas jurídicas ou de governança familiar para sustentar seu crescimento”.

A advogada Luciene Franzim, professora do Insper em Gestão de Empresas Familiares, sócia fundadora da Franzim Consultoria Jurídica e especialista em (re) estruturação de empresas familiares, concorda. “A família geralmente quer que a empresa sobreviva até mais do que eles mesmos. Querem olhar para o infinito, buscam algo em longo prazo e têm esse desejo que às vezes nem sabem expressar. O orgulho é tão grande que querem que cresça e tenha continuidade”.

A Pesquisa de Empresas Familiares no Brasil, divulgada pela PwC no fim de 2016 mostra que 80% das 19 milhões de companhias do Brasil são familiares. Além disso, empresas familiares são responsáveis por cerca de 40% do PIB nacional. É inegável a importância desse modelo de negócio para a economia do país e do mundo, mas, por outro lado, o pequeno número de empresas que resistem ao mercado surpreende: apenas 5% sobrevivem até a quarta geração.

Para Luciene Franzim, a dificuldade de passagem de bastão entre gerações está ligada a um sentimento de perda de poder, e ao desafio de receber o bastão e dar continuidade. “Quando perguntam quando precisamos começar o planejamento sucessório, eu diria agora. Ao invés de pensar no planejamento sucessório como uma simples passagem de bastão, é preciso que o fundador enxergue que, na verdade, ele está deixando um legado, regras e princípios. A essência da família é o que move a empresa. O planejamento sucessório não é só esse momento de transição, é simplesmente o planejamento estratégico de perenidade e crescimento sustentável da empresa”, pontua.

“Se o foco for somente financeiro, nos deparamos com essas estatísticas terríveis para empresas familiares. É preciso cuidar do humano, do paradoxo de tradição e inovação da empresa familiar”, aponta Mary Nicoliello.

Exemplo de sucesso e cumplicidade

As empresas triunfantes do mercado estão provando a importância do cuidado com esse paradoxo. Em 2004, Pedro Oliveira inaugurava o restaurante Fogão Mineiro em Sousas, o distrito mais antigo de Campinas. “Lembro que pedi para meus irmãos e amigos irem à inauguração, para que as pessoas vissem movimento no restaurante. Eles demoraram e, quando chegaram, já estava lotado!”, conta.

Com uma trajetória de sucesso desde o primeiro dia de funcionamento, o restaurante foi crescendo e a equipe também. Com o tempo, o pai e os quatro irmãos de Pedro aderiram ao negócio e hoje comandam em conjunto as sete lojas da rede, sendo cinco dentro de grandes shoppings de Campinas.

Para Pedro, o segredo para o sucesso está justamente na inovação. “Não podemos ficar estacionados, temos que pensar em crescer e sempre olhar além, buscando novidades. É preciso fazer diferente”.

E foi o que fizeram. Em 2007, apenas três anos após a abertura do restaurante Fogão Mineiro, a família inaugurou a casa noturna Paioça do Caboclo, em Joaquim Egídio. Hoje, festas como a anual Feijoada da Paioça transformaram a casa em uma referência de entretenimento na região.

Além do sucesso da rede, a família também vivenciou um fortalecimento do relacionamento. “Todos precisam ter o mesmo objetivo, remando para o mesmo lugar. Aprendemos a conviver com opiniões diferentes e respeitar cada uma delas, fazendo uma democracia e levando em conta a decisão da maioria”, completa Pedro. “Tenho irmãos que trabalhavam em outros ramos anteriormente e chegaram depois, mas que hoje estão felizes, realizados e colhendo frutos”.

Para famílias empreendedoras, dividir os mesmos objetivos é essencial para o sucesso. No escritório Moraes Bueno de Aguiar, fundado em 1997 pelos advogados Ana Cláudia Moraes Bueno de Aguiar e Fábio Bueno de Aguiar, não é diferente. “A melhor parte de ter um negócio em família é que os interesses são os mesmos. Os dois querem crescer e não se acomodam. O nosso ganha-pão e a nossa vida dependem disso, então nós dois nos empenhamos e fazemos nosso melhor”, diz Ana Cláudia.

“Além de termos objetivos comuns, existe em ambos os lados a questão da transparência, da confiança, da cumplicidade. Se esses valores não existirem em uma sociedade – seja ela familiar ou não -, não funciona”, complementa Fábio.

Casados há quase 30 anos e sócios há 20, construíram juntos o escritório, que hoje conta com uma grande equipe de advogados e atende contas de porte nacional. Para eles, empresas familiares não devem ser encaradas como desorganizadas e geridas pelo coração.

“Trabalhávamos assim há muito tempo, mas, na medida em que tomamos consciência e buscamos novas ferramentas, pudemos implantá-las aqui e o escritório passou a funcionar como uma empresa”, conta Fábio. “Hoje em dia temos um planejamento estratégico, metas, objetivos e indicadores de desempenho, assim como outras empresas. Não dá para pensar diferente”.

E Mary Nicoliello concorda. Para ela, o mundo mudou, a forma de fazer negócios mudou e convencer a geração atual é algo delicado e complicado, porém necessário. “Precisamos trabalhar o paradoxo da tradição e inovação para ter uma tradição de mudar. Não tem outro caminho. As famílias empresárias estão entendendo que mudar não é uma escolha e estão aproveitando o ativo humano (que é a nova geração) para que ela se qualifique e possa enfrentar o que vem pela frente”.

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